Depois de decisão do TCU, PGFN limita uso de prejuízo fiscal em transações
Em meio a um embate com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) decidiu limitar o uso de prejuízo fiscal em transações tributárias sempre que a aplicação desses créditos, somada aos descontos, resultar em redução superior a 65% da dívida ou atingir o valor principal do tributo. A medida foi tomada após o TCU apontar falta de transparência na realização de transações e renúncia de receitas com o uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL. O órgão também defendeu que o uso de prejuízo como forma de “desconto” deve estar submetido ao teto global de 65%.
A suspensão foi lamentada por contribuintes, que apoiam a transação como uma forma efetiva e menos onerosa de encerramento de litígios tributários. A decisão do TCU incomodou a PGFN, que em recurso deve defender que o uso de prejuízo fiscal é legítimo, gera atratividade para a transação, evita a falência da empresa e garante o recolhimento integral de IRPJ e CSLL nos anos subsequentes.
O entendimento do TCU já foi judicializado. O JOTA identificou pelo menos uma liminar afastando a limitação no uso de prejuízo fiscal.
Descontos além do limite legal
As discordâncias do TCU em relação à transação tributária surgiram após o órgão realizar auditoria para auferir a “legalidade, eficiência e equidade” do instrumento. Entre outros pontos, o tribunal apontou que o uso de prejuízos fiscais levou à concessão de descontos além do limite legal, o que fez com que R$ 3,81 bilhões deixassem de entrar nos cofres públicos. Para o órgão, o uso do instrumento pode levar à socialização do prejuízo dos contribuintes com toda a sociedade e resultar em renúncia fiscal”.
Para o tribunal, falta transparência da PGFN na condução das transações. “Não é demonstrado de forma clara e transparente o impacto efetivo das transações tributárias nos valores devidos, nem a proporção dos descontos concedido sem relação ao montante original”, consta no documento.
O TCU também aponta deficiência de governança entre os atores responsáveis pela realização das transações, já que PGFN e Receita não possuem diretrizes unificadas, “gerando inconsistências na aplicação das transações”. Ainda, os órgãos não possuem um fluxo de troca de informações.
Entre outros pontos, o TCU considerou que a redução de débitos a patamares superiores a 65% pode violar a lei das transações (13.988/2020) e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na prática, segundo especialistas, o TCU passou a tratar prejuízo fiscal e base de cálculo negativa como se fossem um “desconto adicional” e, portanto, sua utilização, somada aos descontos tradicionais da transação, não poderia resultar em uma redução superior a 65% do valor da dívida.
Pela Lei 13.988/2020, que instituiu a transação tributária, os descontos têm limite de até 65%, enquanto o uso de prejuízo fiscal e base negativa são mecanismo autônomo, que pode alcançar até 70% do saldo remanescente após os descontos. O acórdão do TCU, porém, unificou os dois instrumentos e criou um teto único.
Em nota, a PGFN, que afirmou discordar do entendimento, disse considerar a decisão potencialmente prejudicial à política pública de transação, e que apresentará recurso. Ainda assim, decidiu adotar a limitação provisoriamente, “como sinal de respeito à Corte de Contas”.
Confusão
A decisão do TCU incomodou a PGFN. De acordo com um integrante da procuradoria ouvido pelo JOTA, o uso de prejuízo fiscal, além de possibilitar o pagamento do débito, evita que empresas entrem em recuperação judicial ou decretem falência.
De acordo com o interlocutor, o TCU fez uma confusão ao comparar o uso de prejuízo fiscal ao desconto máximo de 65% estipulado pela lei.
Por fim, o uso de prejuízo fiscal e base negativa garante o recolhimento integral de IRPJ e CSLL nos anos subsequentes. Isso porque, pelas regras atuais, os contribuintes com resultados positivos podem usar prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para abater parte dos tributos a serem recolhidos.
Limitação inexistente
O entendimento do tribunal de contas também desagradou especialistas. Para tributaristas, ao fazer isso, o TCU introduziu uma limitação que não existe na legislação e impacta especialmente empresas em recuperação judicial, uma vez que dependem dessa combinação (de descontos e prejuízo fiscal) para viabilizar a regularização de passivos tributários.
Segundo a advogada Thaís Folgosi Françoso, do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, a questão deve acabar judicializada para que se esclareça qual é o real limite da lei da transação, um movimento que, segundo ela, vai na contramão da própria lógica da transação, que é justamente evitar litígios. Ela afirma que o impacto é particularmente significativo para empresas em recuperação judicial, que dependem do uso de prejuízo fiscal para viabilizar seus planos de pagamento. Para Folgosi, o cenário atual coloca em risco a própria efetividade da transação tributária, já que não é vantajoso para nenhuma das partes e pode, inclusive, “limitar a arrecadação”.
Já a advogada Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret), salienta que o próprio documento do TCU destaca os números positivos relacionados à transação, mas questiona a efetividade do instrumento. “A transação é um instrumento que permite o reequilíbrio econômico e financeiro das empresas, para que elas possam operar, gerar emprego e renda e pagar mais imposto”, defende.
Em nota, um conjunto de 19 entidades ligadas ao direito tributário salientou que “a insegurança jurídica gerada por interpretações restritivas do TCU pode levar à fragmentação ou descontinuidade da transação tributária”. Ainda, consta no documento que “tratar o PF/BCN [prejuízo fiscal e base negativa de CSLL] como desconto não é adequado. Trata-se de um direito líquido e certo do contribuinte, uma “moeda”, que a lei autorizou excepcionalmente para extinguir débitos irrecuperáveis ou de difícil recuperação”.
Liminar afasta entendimento do TCU
A interpretação do TCU já começou a ser contestada no Judiciário: a Justiça Federal no Rio de Janeiro concedeu liminar à empresa Bluecom determinando que a PGFN não aplique o entendimento do TCU. Para o juiz, a lei 13.988/2020 autoriza o uso de prejuízo fiscal até 70% do saldo remanescente após os descontos e não prevê limite cumulativo entre os institutos.
A decisão afirma ainda que a interpretação do TCU impõe “restrição não prevista em lei” e, assim como defendeu o contribuinte, pode gerar impactos econômicos e sociais graves, além de inviabilizar a efetividade da transação tributária. Com isso, decidiu o juiz, a PGFN deverá analisar a proposta de transação da empresa nos termos da lei, reconhecendo o direito ao uso de prejuízo fiscal “sem restrição cumulativa”. Tratou-se de um pedido da Bluecom, que está em recuperação judicial.
O advogado do contribuinte, Thiago Taborda Simões, do TSA Advogados, afirmou ao JOTA que o parecer do TCU “tem uma falha de interpretação legal”, porque o prejuízo fiscal é um ativo usado para pagar o débito, e não um desconto”, o que, para ele, está expresso na lei.
Simões explicou que, assim que o TCU publicou o acórdão, decidiu ajuizar o mandado de segurança para evitar que as negociações da empresa, já em fase final com a PGFN, fossem inviabilizadas. A companhia, segundo ele, participa de uma transação tributária individual que supera os R$ 10 milhões.
O advogado também afirmou que o impacto da medida é especialmente grave no contexto de reestruturações empresariais. Segundo explicou, é comum que empresas em recuperação judicial busquem a transação tributária para regularizar sua situação fiscal e, assim, viabilizar a homologação de seus planos de reestruturação. Com a limitação imposta pelo TCU, porém, essas companhias deixam de conseguir pagar os valores negociados e “fica impossível uma recuperação judicial”, afirmou, observando que a redução dos benefícios compromete a capacidade de pagamento de empresas já fragilizadas.
Fonte: Jota